Dois grupos continuam brigando pelo poder e o direito de administrar a feira mais icônica do DF
Uma disputa que já dura quase dois anos pode ser finalmente resolvida, se depender da vontade e da interferência do governo. Na segunda-feira, 4 de agosto, o secretário de Governo, José Humberto Pires, a subsecretária de Mobiliário Urbano do GDF, Ana Lúcia Melo, o administrador regional do Guará, Artur Nogueira, e representantes das duas associações que reivindicam a gestão da Feira do Guará, participaram de uma reunião no Palácio do Buriti que terminou com uma proposta de conciliação que pode dar, finalmente, fim à briga, que estava cada vez mais acirrada, com episódios de violência física e bravatas nas redes sociais entre os dois lados.
De acordo com a proposta apresentada pelos representantes do governo, os dois grupos terão até o dia 11 de agosto, segunda-feira, para decidirem entre si uma solução que acabe com o conflito na gestão da feira. Se não houver acordo, o que dificilmente vai acontecer por causa do clima de beligerância entre os dois lados, será convocada uma nova eleição da associação que vai assumir o controle da feira.
Entretanto, mesmo com a determinação do governo, o conflito tende a não ser resolvido num simples acordo entre as duas partes. Enquanto o grupo mais antigo entende que deve permanecer a Associação dos Feirantes da Feira do Guará (Ascofeg), fundada em 1994, o outro grupo defende que seja a Associação da Feira do Guara (Asfeg), recém criada com o apoio do Comitê Gestor formado por representantes do governo e dos feirantes, após considerar que a antiga associação não atendia mais aos requisitos para continuar a gestão. Neste caso, o “plano B” do governo seria formar uma terceira associação, que já nasceria neutra, que teria que promover uma nova eleição para sua diretoria, mas esta solução também seria muito contestada pelos dois lados.
“O que estamos tentando fazer é encontrar uma solução negociada, que atenda aos interesses dos dois grupos. Se não houver acordo, o governo vai se valer do seu direito de propor uma solução para um equipamento próprio que pertence a ele”, adverte o secretário de Governo, José Humberto Pires. Ele desmente que haja qualquer decisão do governo para a retomada e nova licitação das bancas, conforme vem divulgando o grupo ligado à nova associação. Por outro lado, a Administração Regional do Guará também garante que não há qualquer risco da feira fechar, mesmo que temporariamente, por conta do imbróglio. “Esse é um assunto interno e administrativo que estamos resolvendo sem que venha a atingir o consumidor ou os feirantes, mesmo que o impasse continue”, afirma o administrador regional Artur Nogueira.
Para ajudar na tentativa de conciliação e acalmar os ânimos, o administrador regional Artur Nogueira e a subsecretária Ana Lúcia Melo visitaram todas as bancas nesta quinta-feira, 7 de agosto, para ouvir e convencer os feirantes a aceitar uma solução negociada para o impasse.
Nenhum lado quer ceder
Mesmo depois de concordarem com a proposta apresentada pelo secretário de Governo, José Humberto Pires, os dois lados mostram que não estão dispostos a se unirem num único grupo ou aceitarem uma das duas associações no comando da feira. “Foi o próprio governo que criou o Comitê Gestor, que, por seu lado, estimulou a criação de uma nova associação, que promoveu uma eleição aberta e limpa para a escolha da diretoria, conforme tudo o que foi determinado. Mais de 400 feirantes puderam votar ou ser votados e não participou quem não quis. Portanto, a Asfeg é a legítima representante dos feirantes e nova eleição somente daqui a dois anos e meio, quando encerra a atual gestão”, afirma Alexandro Ferreira de Menezes, o Alex, presidente eleito da Associação da Feira do Guará (Asfeg). Já o presidente da Associação dos Feirantes da Feira do Guará (Ascofeg), Valdinei Lima, prefere transferir a decisão do seu grupo aos próprios feirantes. “Vamos convocar uma assembléia, aberta a todos os feirantes, e acatar o que eles decidirem. Somos apenas os representantes deles na administração da feira”, afirma.

todos os interessados na administração da feira para
exigir um acordo e encerrar a disputa
Entenda o imbróglio
Tudo começou com a eleição da diretoria da Ascofeg no final de outubro de 2023, quando o grupo de oposição ao antigo presidente Cristiano Jales contestou os métodos e resultado da votação, que elegeu a chapa da situação, liderada por Valdinei Lima. A campanha antes da eleição foi recheada de denúncias e até agressões físicas nos corredores da feira. Mesmo eleito, Valdinei não conseguiu assumir porque a chapa vencedora não conseguiu registrar a ata de eleição em cartório, por causa das contestações da chapa opositora. No vácuo de quem poderia assumir, Cristiano Jales continuou até promover nova eleição em fevereiro deste ano, boicotada intencionalmente pelo grupo opositor, que buscou apoio do governo contra a intenção do grupo da situação de continuar no poder.
Como o impasse não se resolvia, foi necessário o governo, que é o legítimo dono do espaço, intervir, mas, de forma atabalhoada, o que aguçou mais ainda a disputa entre os dois lados. Para tentar intermediar ou resolver a situação, a Secretaria Executiva de Cidades (Secid), responsável pelo controle das feiras de todo o Distrito Federal, constituiu um Grupo de Trabalho, chamado de Comitê Gestor, representado pela Administração do Guará e Secretaria de Governo, e representantes da situação e oposição dos feirantes. Já na primeira reunião com os feirantes, os representantes do governo sentiram que a missão não seria fácil. Ao apresentar o passivo da Feira do Guará, calculado em R$ 7 milhões, entre dívidas com o INSS (R$ 3 milhões), Neoenergia (R$ 2,5 milhões) e ações trabalhistas e outras cobranças, para justificar a intervenção, o passivo foi contestado pelo grupo da situação, que transferiu ao próprio governo, principalmente à Administração Regional do Guará, a responsabilidade pela maior parte dessa dívida, por não tomar providências contra a inadimplência da taxa de rateio (usada para custear a segurança, a limpeza e a manutenção) e a taxa de ocupação, a parte que cabe ao poder público pela cessão do espaço.
“Como a inadimplência da taxa de rateio é de cerca de R$ 3 milhões, seria suficiente para quitar a dívida com o INSS. E a dívida com a concessionária Neoenergia foi originada por um erro do próprio governo, que inaugurou a expansão da feira em 2008 sem a instalação de medidores individuais e a cobrança somente veio depois da concessão da energia elétrica no Distrito Federal”, afirma Cristiano Jales. E as dívidas trabalhistas seriam, segundo ele, resolvidas com a recuperação da taxa de rateio em atraso, mas, neste caso, a cobrança somente poderia ser feita legalmente pelo dono do espaço, no caso a Administração Regional do Guará, de acordo com a lei que rege as feiras do Distrito Federal.
A primeira proposta para resolver o impasse foi a realização de uma nova eleição na Ascofeg, que, antes, deveria apresentar uma prestação de contas das dívidas e despesas. Por entender que o governo, através do Comitê Gestor, estaria interferindo numa instituição privada, Cristiano, ex-presidente, e Valdinei, novo presidente eleito, não concordaram com a proposta. Para piorar a situação, o Comitê Gestor resolveu entregar a uma recém criada recém criada Associação dos Permissionários da Feira do Guará (Asperfeg), presidida por Alexsandro Ferreira de Menezes, que era o candidato de oposição na eleição da Ascofeg, o direito de receber as taxas de rateio, pagar as despesas e prestar contas da movimentação financeira e administrativa. A alegação é que o Cnpj da nova associação estava “limpo”, ao contrário da Ascofeg, que está com suas contas bancárias interditadas por conta das ações judiciais.
Mesmo que não tenha sido de propósito, a decisão, considerada precipitada e inábil, deu ao grupo da situação argumentos para acusar o governo, através do Comitê Gestor, de transferir, mesmo que indiretamente, o poder de administração da feira ao grupo de oposição. Contrariado, o grupo de Cristiano, que representa a maioria dos feirantes, de acordo com a votação da eleição de 2023, recorreu à Justiça e conseguiu protelar a intervenção, mas o governo, através do Comitê Gestor, continuou insistindo e estimulou a criação de uma nova associação, a Associação dos Feirantes da Feira do Guará (Asfeg), também liderada por Alex.,
Quem tem direito?
O cerne da questão é conceitual: enquanto o grupo de Cristiano Jales e Valdinei Lima acusa o governo de querer interferir indevidamente na gestão de uma instituição privada, o governo, através do Comitê Gestor, entendeu que, como é o dono do espaço, tem o direito de escolher qualquer instituição para tomar conta da feira. A alegação é que essa oportunidade foi oferecida à própria Ascofeg, que, entretanto, teria se negado a fazer a prestação de contas no período em que a eleição esteve suspensa como condição para continuar na administração, o que é negado pela Ascofeg, que garante que não foi requerida a apresentar os balancetes da sua gestão e que eles estão disponíveis na sala da diretoria na Feira.
A publicação da portaria do governo reconhecendo a Asfeg como a nova administradora da Feira foi contestada pela diretoria da Ascofeg. “Foi uma intervenção indevida numa instituição privada. Além disso, o Comitê Gestor nunca entrou de fato aqui na feira e só causou confusão. Foram praticamente seis meses de caos. Não ajudou em nada, apenas atrapalhou”, critica o presidente da Ascofeg, Valdinei de Lima. “A feira nunca parou. Mesmo durante esse período de conflito, seguimos funcionando. Houve uma reunião em 14 de fevereiro, na Administração do Guará, em que o comitê afirmou que, se assumisse, retiraria os efetivos da Ascofeg. Se isso tivesse acontecido, a feira teria fechado por falta de pessoal para limpeza e manutenção”, completa. Segundo Valdinei, se houver mudança na gestão, os contratos precisarão ser rescindidos e os funcionários indenizados, o que poderia gerar um custo estimado de R$ 1 milhão.
Como impasse entre quem tem direito de administrar a feira continuava, e até piorava, o secretário de Governo, José Humberto Pires, como bom “peladeiro” (jogador de futebol por prazer) que é, resolveu “matar a bola no peito” e assumir o controle da situação. “Não dá para continuar desse jeito. Nem os feirantes e nem os consumidores podem continuar pagando por essa intransigência. De alguma, vamos encontrar uma solução. E logo!”, decreta.
Fonte: Jornal do Guará